Será possível poupar mesmo tendo muitas responsabilidades financeiras ou ganhando pouco? Seis em cada 10 brasileiros consideram impossível, como se depreende da pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), em parceria com o Datafolha (27/07/2021).
Até pessoas com boa renda não acreditam nessa possibilidade. Embora seja motivo de angústia para muita gente, essa descrença tem um efeito paralisador que parece difícil de vencer.
Difícil sim, mas impossível? Fomos perguntar a quem começou do zero ou superou limitações: como se convenceram a dar o primeiro passo para poupar? E como conseguiram fazer essa poupança render para financiar os planos imediatos e os de longo prazo?
As diferenças de geração e de origem não impediram que adotassem a mesma estratégia – aprender, organizar e colocar em prática. Estavam cientes de que, para conquistar o hábito de poupar, precisavam de foco e disciplina. Quando resolveram investir, entenderam a importância de diversificar as aplicações. Veja, a seguir, como esses poupadores desenvolveram essas habilidades e inspire-se, você também, para começar.
A necessidade me transformou em uma poupadora
“A necessidade me transformou em uma poupadora. Via desde pequena que nunca sobrava dinheiro e a nossa casa estava sempre por terminar. Fui trabalhar quando meu pai perdeu o emprego e tudo que ganhava ia para o sustento da família”, conta Solange Moraes dos Santos.
Sem querer, ela fazia planejamento para o salário dar conta de todas as despesas e assim entendeu que poderia guardar os extras, como 13º salários e bônus. “Meu primeiro investimento foi em poupança, já pensada para realizar o sonho de pintar a frente da casa e colocar piso.”
Na época, não podia gastar um tostão fora do essencial e procurava fingir que não ganhava nada. Economizava até no vale-refeição. Para fazer faculdade, arrumou duas bolsas que cobriram tudo até se formar.
“Desde cedo, vi que nada era fácil, parecia que estava sempre picando gelo. Com essa vivência, criei uma disciplina que mantenho até hoje, de guardar pelo menos 10% do que ganho e também os excedentes. E não mexer de jeito nenhum.”
Com o tempo, Solange teve promoções e viu sua renda aumentar, assim como sua poupança. Foi então que começou a ter uma ideia melhor sobre investimento. Em um curso de planejamento financeiro, conheceu a variedade de produtos em que poderia aplicar e entendeu que tinha um perfil moderado. “Transferi o dinheiro da poupança para um CDB, meu primeiro movimento como investidora, ainda com medo do risco”, revela.
Finalmente, conseguia viver e não apenas sobreviver, mesmo cuidando da mãe, o que faz até hoje. Recentemente, deixou de morar com meus pais, quando se casou.
As despesas aumentaram um pouco, mas ela mantém seus hábitos financeiros. ”Não faço dívidas, aproveito as vantagens de pagar à vista, tenho sempre uma reserva de emergência para seis meses, separo com antecedência o dinheiro para as despesas como IPVA e IPTU, para não ter sobressaltos”. Boas dicas, Solange!
Com o tempo, ela foi ganhando confiança como investidora e, hoje, divide seu patrimônio entre Tesouro Direto, fundos imobiliários e CDB que pague mais de 100% do CDI.
“Ainda hoje, preciso fazer escolhas de como gastar, se deixo de seguir a moda ou frequentar cinemas para manter minhas economias. Mas estou satisfeita com o padrão de vida que conquistei.”
Compreendi que a reserva financeira precisa valer para toda a vida
Hélio Fugagnoli tinha 16 anos e andava pela cidade como office boy, quando pegou um livreto na fila do banco para passar o tempo. Tratava de poupança. Ensinava a anotar as receitas e despesas para ter uma previsão dos gastos do mês e quanto sobraria. Com as informações desse caderninho, entendeu que o dinheiro aplicado conseguiria comprar mais.
“Valeu por um curso de finanças e mudou minha vida. Sempre fui ligado no que o dinheiro pode nos proporcionar e economizava, pois vivíamos com dificuldade”, conta. “Desde criança, guardava os presentinhos em dinheiro, cheguei a abrir conta no banco e inventei de criar galinhas no quintal grande de casa para conseguir um extra.”
Quando seu pai ficou desempregado, abandonou a escola e foi buscar trabalho. Quis a vida que seu primeiro emprego, aos 14 anos, fosse em uma corretora de valores mobiliários. Logo estava no pregão. Com 19 anos, ganhava bem e assumiu o sustento da família.
Nessa altura, teve a sorte de conviver com pessoas que se interessavam pelo seu futuro. “Dois operadores da bolsa viviam insistindo para que eu completasse os estudos, depois outro me fez fazer vestibular do curso de Economia para ter uma profissão. Nunca mais parei de estudar e também de operar por minha conta, comprando e vendendo ações, até hoje meu tipo predileto de investimento.”
Hélio foi para os Estados Unidos fazer um curso e acabou ficando alguns anos por lá. “Minha preocupação com o futuro, na época, alcançava no máximo dois anos.” Quando teve uma família, compreendeu que a reserva financeira precisava ser para toda a vida. Com o filho ainda pequeno, começou a formar um fundo para pagar a faculdade dele. Hoje, o rapaz está terminando a pós-graduação.
Desde sempre, teve reconhecida a habilidade para investir e era procurado pelos colegas em busca de conselhos sobre como fazer boas escolhas que envolvessem dinheiro e patrimônio. Acabou encontrando uma segunda profissão, a de planejador financeiro pessoal e consultor de valores mobiliários credenciado pela CVM.
“Para os clientes, meu principal conselho é reservar 20% da renda para aplicar, anotar os gastos para saber aonde vai o dinheiro e nunca comprar em prestações. Parcelar é pagar juros. Que não se iludam, o dinheiro vem do trabalho, os investimentos servem para dar um impulso a esse esforço”, finaliza.
Precisei me transformar de gastadora impulsiva em poupadora consciente
“Acabei de me mudar para o Canadá com meu marido. Para realizar esse sonho, precisei me transformar de um jeito que não acreditava ser capaz, de uma gastadora impulsiva para poupadora consciente”, explica Laís de Siqueira Capel.
Ela trabalha desde os 17 anos e, até se casar, morava com os pais. Portanto, o dinheiro que ganhava era só dela. “Mesmo assim, gastava como se não houvesse amanhã. Não me privava de nada, roupas, baladas, viagens, gastava 100%.”
Esse comportamento era o oposto do que vivia em casa, pois seus pais eram muito disciplinados com dinheiro. “Esse descontrole me incomodava, especialmente por não saber onde ia parar meu dinheiro.”
Quando a empresa em que trabalhava ofereceu uma consultoria financeira para os funcionários, Laís aproveitou a oportunidade na hora. Foi uma revelação. A consultora mostrou como ela deveria gastar, as porcentagens que deveria separar para cada tipo de despesa e assim ter uma sobra e poder guardar. Conseguiu economizar um pouco, com muita dificuldade.
“Só me conscientizei mesmo depois que conheci meu marido. Ele também é disciplinado. Vi que o sonho de morar no Canadá era possível, especialmente depois que fui dispensada do emprego por causa da pandemia. Peguei minha rescisão de 10 anos e apliquei tudo.”
Aprendeu, assim, a pensar no futuro. Logo, conseguiu outro trabalho, com um bom salário, e a partir daí, o que ganhava, guardava. Fazia isso junto com o marido. Abriu mão de tudo que antes consumia sem pensar. Por ter um objetivo bem claro, não via isso como um sacrifício. Nem mesmo deixar de fazer a festa de casamento a abalou.
“Para a nossa poupança render bem, contratamos uma consultoria de investimento juntos. Aprendemos a aplicar em CDB e em Tesouro Direto. Também abrimos uma previdência privada para deixar uma parte do dinheiro no Brasil, caso aconteça alguma emergência”, resume.
“Sabíamos que a mudança para o Canadá exigia uma reserva financeira alta para os primeiros tempos. Mal chegamos, procuramos um banco para abrir uma conta-investimento.”
A boa surpresa, segundo ela, foi que o país tem outra mentalidade, com um estilo de vida muito mais simples do que no Brasil. “Essas experiências aceleraram meu amadurecimento.”
Cresci entre os altos e baixos das finanças familiares
“Cresci vivendo os altos e baixos da vida financeira do meu pai. Sem o hábito de poupar de forma consistente, qualquer imprevisto na carreira de executivo era um abalo porque havia pouco recurso para os momentos difíceis”, recorda Julio Steg.
Ele não queria passar por isso e, bem cedo, decidiu construir uma reserva para não precisar apelar aos financiamentos bancários. “Tive a prova que deveria seguir esse caminho quando resolvi financiar um carro com os primeiros salários. Não gostei da sensação de pagar juros e ficar preso em uma dívida por quase dois anos”, conta.
Ainda estagiando em uma multinacional do setor automobilístico, onde seguiu carreira, Julio passou a guardar a maior parte do salário e a se inteirar sobre o mundo dos investimentos. Aproveitou o privilégio de continuar a morar com os pais para economizar o máximo que essa situação permitia.
No início, aplicava nos produtos disponíveis no banco onde tinha conta, numa época em que a alta dos juros favorecia a renda fixa. Depois, buscou alternativas de fundos de investimento em instituições independentes. .
Esse conhecimento lhe deu confiança para ir mais uma vez além, quando contratou um agente de investimento. “A atividade era nova na época. Essa profissionalização ampliou minhas opções, com indicações de fundos mais adequados ao meu perfil e investimentos em novos instrumentos de renda fixa e variável, como LCI, CDBs e debêntures, o que contribuiu muito na evolução dos rendimentos”, recorda.
Enquanto teve salário, habituou-se a separar de 20 a 30% para aplicar. Já os adicionais, como PLR e bônus, iam integralmente para os investimentos. “Essa experiência também me ensinou a aproveitar benefícios como o plano de previdência oferecido pela empresa e a isenção de 12% do imposto de renda.” Quando resolveu comprar um imóvel, conseguiu uma boa negociação para pagar à vista e usou o fundo de garantia.
“Não deixei de aproveitar a vida, sair e viajar muito, mas sempre tive em mente o que era necessário para garantir minha independência financeira. Atualmente, trabalho como consultor, depois de me desligar da empresa. Pude fazer a transição com tranquilidade, porque, mesmo sem precisar usar, sabia que meu plano de vida está assegurado.”