Vem um imprevisto e você precisa fazer um gasto grande e inesperado. Nessa situação, você conseguiria levantar rapidamente o valor? Ele viria de suas próprias economias ou você precisaria recorrer a um empréstimo? De acordo com o Índice de Saúde Financeira do Brasileiro - ISF-B/FEBRABAN, apenas 19,8% dos brasileiros dariam conta de uma despesa emergencial de valor elevado. Além disso, atualmente, 31% das pessoas conseguem fechar o mês com algum dinheiro sobrando, e quase 40% não se sentem seguras sobre seu futuro financeiro.
Esse resultado coincide com um estudo realizado pelo Banco Mundial, que apontou que duas a cada cinco pessoas na América Latina não têm dinheiro para resolver uma emergência nos próximos 30 dias. Além de não possuir reservas para imprevistos, o brasileiro não tem o hábito de fazer poupança para a velhice. A Pesquisa Raio X do Investidor 2022, feita pela Anbima, apontou que apenas 19% da população guarda dinheiro para a aposentadoria. Mesmo entre os brasileiros da Classe A/B, os poupadores preocupados com o futuro são minoria: somente 32% têm uma reserva para a aposentadoria.
Mas, afinal, o que está por trás da dificuldade de poupar? Há razões psicológicas ou elas são meramente resultado da falta de condições financeiras da população? Foi o que perguntamos à psicóloga Vera Rita De Mello Ferreira, professora de psicologia econômica e educação financeira e autora dos primeiros livros de psicologia econômica editados no Brasil.
Vivendo apenas o presente
Para Vera, os fatores psicológicos estão no topo da lista de questões que influenciam a atitude de guardar ou não dinheiro. Ela explica que nossos ancestrais tinham pouco tempo de vida e, por isso, guiavam-se pela sobrevivência imediata. Se você vai viver no máximo 30 anos, faz pouco sentido construir algo para um futuro mais distante, não é? E foi assim durante a maior parte da história da humanidade.
No entanto, o mundo passou por uma grande transformação que resultou em um considerável aumento do tempo de vida. No Brasil, quem nasceu em 1940 tinha uma expectativa de vida de aproximadamente 45,5 anos, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). De acordo com os mesmos dados, coletados em 2020, a expectativa de vida ao nascer era de 76,7 anos. Mesmo assim, as pessoas continuam vivendo como se não houvesse amanhã.
“As condições de vida foram facilitadas. Ninguém precisa mais caçar ou pescar para se alimentar nem buscar abrigo a cada noite. Mas nossa mente ainda não processou suficientemente todas essas transformações e, se deixarmos, ela continuará funcionando no automático, pensando na sobrevivência no presente e no que traz satisfação imediata”, explica Vera.
A lógica do poupar é exatamente inversa: é preciso abrir mão de algo agora para conquistar a tranquilidade ou realização em outro momento. E isso exige esforço, segundo a psicóloga. “Nós descendemos daqueles indivíduos que usavam estritamente a energia necessária para sobreviver. E preservamos esse comportamento, que tende à inércia, na relação com o dinheiro. Para poupar, é preciso se planejar, considerar o presente e o futuro e tudo isso consome energia”, reflete.
É preciso esclarecer que, quando falamos em poupança, estamos nos referindo a qualquer maneira que a pessoa utiliza para formar um patrimônio. O dinheiro pode estar investido em qualquer tipo de aplicação financeira – na caderneta de poupança propriamente dita, em fundos de investimentos ou no tesouro direto, por exemplo –, ou em um bem, como um imóvel.
Renunciando ao agora para ter um futuro melhor
Deixar de trocar o celular por um modelo de última geração, de comprar aquele sapato ou de fazer uma viagem significa, portanto, renunciar ao prazer imediato para ter algo mais adiante. No momento de fazer isso, surgem outros fatores psíquicos que podem tornar a decisão de poupar ainda mais difícil. As incertezas e o medo de perdas são alguns deles.
Será que vou viver para aproveitar isso no futuro? E se aplicar o dinheiro e o mercado financeiro despencar? E se guardar o dinheiro e o governo tomar? As incertezas acabam funcionando como uma espécie de escudo, que muitas pessoas utilizam para justificar a falta de iniciativa para poupar.
Já o medo da perda pode surgir quando você separa uma parte do dinheiro, ainda que pequena, para dar a ela outro destino – uma aplicação, por exemplo. “Não suportamos a ideia da perda, seja ela de tempo, amigos, amores, prestígio, popularidade ou qualquer outra. Ainda que guardar dinheiro não seja uma perda, você pode ter essa sensação e ficar em dúvida entre aplicar e ficar com o dinheiro na mão. E todos nós sabemos que dinheiro na mão é vendaval”, reforça Vera.
A dificuldade de poupar é influenciada por questões históricas e sociais. O aspecto social está relacionado ao fato do consumo ter se tornado sinônimo de status no mundo de hoje. Já o histórico está vinculado à época de alta inflação vivida pelo Brasil entre 1980 e o início da década de 1990. Naquele período, a inflação chegou a superar a casa dos 80% ao mês e um jeito de economizar era correr para fazer compras e pagamentos assim que o salário entrava, porque no dia seguinte ele já valia menos.
Por que poupar
Um dos problemas da falta de reserva financeira é o aumento do risco de endividamento. De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) de setembro de 2022, essa é a realidade de 79,6% das famílias brasileiras.
Quem não poupa também encontra dificuldades para realizar seus sonhos e projetos. Pode ser fazer uma faculdade, juntar dinheiro para casar, ter tranquilidade na velhice, reformar a casa ou começar o próprio negócio.
Estratégias para vencer os bloqueios
As barreiras mentais existem, mas segundo Vera Rita De Mello Ferreira elas podem ser superadas com empenho e, às vezes, com uma única decisão inicial, como contratar uma aplicação automática. Confira as estratégias e dicas que ela dá para fazer com que poupar se torne um hábito:
Programe uma poupança automática
No site ou aplicativo de seu banco, programe a transferência mensal de um valor de sua conta corrente para uma aplicação. Assim, mesmo que você não seja uma pessoa disciplinada, não corre o risco de gastar antes de separar uma parte para guardar. Fale com o seu banco e veja como funciona o investimento programado.
Crie seu próprio desafio
Volta e meia, são lançadas nas redes sociais algumas campanhas que desafiam as pessoas a guardar dinheiro. Aproveite a onda e lance seu próprio desafio. Você pode começar guardando poucos reais por dia e ir aumentando o valor a cada semana. “Se fizer isso em família, fica ainda mais fácil porque um incentiva o outro e o bolo cresce mais rápido”, sugere Vera.
Cofrinho? Tá valendo
O cofrinho é um bom aliado. Vá depositando moedas de R$ 1,00 e defina um prazo para que ele fique cheio (15 dias, por exemplo, dependendo do tamanho do cofre). Assim que completar, coloque o dinheiro na poupança ou em outra aplicação e comece tudo de novo. Só que, da próxima vez, estabeleça um tempo menor para encher o cofre.
Compartilhe seus objetivos
Defina uma ação e uma meta que sejam possíveis de realizar. Por exemplo: guardar R$ 1,00 por dia, chegando a R$ 10,00 por dia dentro de dois meses. Informe seus amigos sobre seus objetivos. “O compromisso público é uma boa estratégia porque tendemos a realizar aquilo que anunciamos, aumentando a probabilidade de guardar dinheiro”, reforça Vera.
Mobilize a turma
Convide seus amigos para formar um grupo de poupadores, adotando alguma das sugestões acima ou qualquer outra estratégia que faça sentido para todos. Quanto mais pessoas envolvidas em um desafio, maior a chance de você se engajar também.
Está achando muito difícil colocar essas dicas em prática? Conheça algumas histórias de poupadores com diferentes perfis que começaram do zero.
Matéria publicada em 27 de julho de 2017 e atualizada em 01 de dezembro de 2022.