O dinheiro em papel vai acabar?

Veja como essa tendência impacta a nossa vida financeira e, também, a educação financeira de nossas crianças.

14 de julho de 2022 5 min. leitura

Tem troco para 50? Perguntas como essa, tão comuns alguns anos atrás, estão cada vez mais raras nos estabelecimentos comerciais. As transações feitas com cartão de crédito, cartão de débito e PIX estão cada vez mais presentes no cotidiano dos brasileiros. Com o crescimento dos meios digitais de pagamento e o avanço dos estudos sobre o Real Digital, tudo indica que o dinheiro em papel vai mesmo acabar.

Mas como essa tendência afeta a sua vida financeira e a educação financeira das crianças, sem o tão amado cofrinho como aliado para criar o hábito de poupar? É o que mostramos nesta matéria. Confira!

A evolução do dinheiro digital

Os meios digitais de pagamento são adotados, atualmente, até mesmo em locais que tradicionalmente só aceitavam dinheiro em espécie, como cabines de pedágios, catracas de transportes urbanos, barracas de feira e igrejas. Em março de 2022, o uso do PIX já era 25 vezes maior do que quando foi lançado, em novembro de 2020.

De 2018 a 2021, caiu pela metade o número de pessoas que preferem usar cédulas e, de acordo com o Banco Central, apenas 3% do dinheiro disponível para as operações no país ainda está em forma de papel; quase 9 trilhões de reais são depositados e negociados digitalmente.

A extinção do dinheiro em espécie parece ser uma tendência que veio para ficar, tanto que a moeda digital do Banco Central do Brasil, batizada de Real Digital, deve ser lançada em 2024. No mercado internacional, as moedas digitais oficiais são conhecidas pela sigla CBDC (Central Bank Digital Currency, em inglês, ou moeda digital emitida por um Banco Central). 

Já no ano que vem deve ter um piloto dessa moeda rodando no país. Recentemente, o Bacen selecionou 9 organizações, como a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e grandes bancos, como Itaú e Santander, para a realização da etapa inicial desse piloto.

O que são moedas virtuais

Você já deve ter ouvido falar por aí sobre moedas virtuais, criptomoedas ou bitcoins. As moedas virtuais são basicamente dinheiro eletrônico que não pode ser convertido em cédulas, portanto só pode ser utilizado em transações digitais. Além de funcionar como dinheiro para troca, elas também funcionam como ativos digitais, ou seja, podem ser vendidas ou compradas a um valor flutuante, determinado pelo mercado investidor. 

O Bitcoin (BTC) foi a primeira criptomoeda lançada no mundo, em 2009. A ideia de seu criador foi gerar um dinheiro eletrônico que pudesse ser transferido de um ponto a outro, sem passar pelas instituições financeiras. Na prática, duas pessoas, mesmo morando em países diferentes, podem enviar BTC um para o outro sem precisar de um banco ou de uma empresa de remessa internacional. 

As transações são confirmadas por blockchain, um banco de dados enorme que registra todas as negociações dos usuários. Essa tecnologia nasceu junto com o Bitcoin, e funciona de tal forma que os próprios participantes são os emissores e auditores da rede. Além do Bitcoin, outras criptomoedas são negociadas hoje no mercado, como Ethereum, Tether e USD Coin, entre outras.

A diferença entre criptomoeda e moeda do Banco Central

Já o Real Digital é um tipo de moeda virtual e utiliza uma tecnologia similar, porém é totalmente diferente das criptomoedas. Enquanto estas são privadas, funcionam como ativos e não têm nenhuma regulação, o Real Digital será gerado e regulamentado pelo Banco Central, assim como as cédulas e moedas emitidas hoje pela instituição, porém não será convertido em cédulas.

O cidadão receberá códigos gerados pelo Banco Central indicando os valores que possui disponíveis para suas operações. Ou seja, o Real Digital será uma versão digital do Real que já conhecemos e seguirá todas as regras que se aplicam ao dinheiro físico.

Uma das vantagens desse tipo de moeda virtual é a facilidade nas transações internacionais. No futuro será possível, por exemplo, realizar um PIX do Brasil para o Japão instantaneamente a um custo baixíssimo, pagar compras de produtos importados no débito ou receber pagamentos automaticamente pela prestação de serviços para contratantes de outros países, sem tanta burocracia como acontece atualmente.

O Real Digital e outros temas atuais serão debatidos na Febraban TECH 2022, o maior evento de tecnologia e inovação do setor financeiro da América Latina, que acontecerá de 9 a 11 de agosto, na Bienal de São Paulo. 

O que muda no comportamento financeiro

Você já reparou que gastar uma nota de 50 reais parece muito mais difícil do que pagar o mesmo valor no cartão de crédito? Isso não é por acaso, e já foi comprovado em uma experiência realizada nos EUA. O professor Drazen Prelec, do MIT (Massachusets Institute of Technology) fez um estudo sobre um leilão silencioso, que envolvia ingressos para jogos esgotados de basquete. 

Metade dos participantes só podiam ofertar lances com dinheiro vivo e a outra metade só poderiam pagar com cartão de crédito. Na média, descobriu-se que os que usavam cartão faziam duas vezes mais lances do que os usuários de dinheiro vivo. Ou seja, o custo psicológico de gastar um dólar no cartão de crédito é de apenas 50 centavos.

Então, o uso do cartão de crédito tem impactos na forma como as pessoas gastam, já que a fatura chega bem depois da decisão de compra, adiando a “dor” do pagamento. Já quando trocamos o cartão pelo dinheiro vivo, sentimos essa dor imediatamente.

Já no cartão de débito ou na carteira virtual, o usuário vê o dinheiro debitado imediatamente, então, teoricamente, a dor seria a mesma gerada pelo gasto do dinheiro em papel. Mas, não é isso que acontece.

De acordo com o professor Prelec, sentimos quase uma breve dor física quando nos separamos do dinheiro em papel, o que não ocorre quando pegamos o smartphone para fazer um pagamento, por exemplo, já que esse objeto é usado para outras finalidades que vão além de compras e gastos.

Assim, podemos dizer que a substituição completa do dinheiro vivo pelas transações virtuais pode afetar negativamente o nosso comportamento de gastos. Então, como podemos evitar esse efeito colateral do uso de dinheiro digital? Confira algumas dicas a seguir.

Como lidar bem com dinheiro digital

Programe uma aplicação automática: aproveite a tecnologia para automatizar o hábito de poupar. Agende uma aplicação automática no investimento de sua preferência para a data do recebimento de sua renda, assim você “se paga” primeiro e blinda esse recurso de gastos desnecessários. Veja como funciona o investimento programado.

Autorize notificações: Dentro do aplicativo do seu banco, autorize o envio de notificações a cada transação realizada, assim você terá imediatamente a informação sobre o valor gasto e sentirá o mesmo desconforto gerado pela cédula ou moeda. Sua mente tentará evitar essa sensação, ajudando você a ter mais cuidado na hora de gastar.

Faça uma previsão de gastos: Antes de sair gastando, estabeleça uma meta para cada despesa e inclua essa informação no APP do seu banco ou de gestão financeira. Assim, a cada gasto realizado, o valor vai sendo subtraído da meta e você confere automaticamente quanto ainda pode gastar. Baixe nossa planilha de controle orçamentário pessoal e familiar. 

Busque formas saudáveis de aliviar o estresse: Muitas compras por impulso são feitas para compensar frustrações ou aliviar o estresse, e o dinheiro digital aumenta essa tentação. Praticar esportes, fazer meditação, ouvir música ou escrever são formas saudáveis e econômicas de aliviar as sensações e evitar tais gastos.

Dicas para a educação financeira das crianças

O cofrinho costuma ser muito utilizado como ferramenta educativa para os filhos entenderem o valor do dinheiro, pouparem para seus objetivos e usarem com consciência. Com a extinção do dinheiro físico, o cofrinho também deixa de ser usado. Veja algumas dicas para seguir educando as crianças a usar o dinheiro de forma consciente nesse novo cenário.

Dividir os sonhos em blocos: É importante incentivar a criança a pensar em seus sonhos e desejos de consumo. Em seguida, convide-a a representar o sonho em um desenho, colagem ou peças de montar, para concretizar esse desejo. Assim que a arte estiver pronta, incentive-a a pesquisar o preço do item que deseja comprar e divida esse valor em pequenas quantias, ou “bloquinhos” de valores. 

Por exemplo, se o jogo de videogame custa R$ 100, isso representa 10 “blocos” de R$ 10,00. Coloque uma caixa ou um quadro ao lado do sonho, para que a criança vá juntando peças ou pintando quadradinhos a cada R$ 10 guardados. Assim, ela pode contar os blocos que já conseguiu juntar.

Usar a gameficação: Muitos jogos já possuem a lógica das moedas virtuais, que tal aproveitar essa mesma ideia para falar sobre dinheiro com seu filho ou filha? Peça para mostrar a você um game que ele/ela goste e que tenha facilidade para acumular moedinhas. 

Traga esse exemplo para a vida financeira, lembrando que, em vez de saltar obstáculos ou ganhar a corrida, a única missão que precisa ser feita para acumular as moedinhas no APP do banco é segurar a vontade de comprar tudo que vê pela frente. A cada dia que deixa de gastar, novas moedinhas são adicionadas ao “cofrinho” virtual. 

Convide a criança a acompanhar a evolução dos valores toda semana e anotar separadamente para ver quanto conseguiu “ganhar (juros)” ou poupar de uma semana para outra. No game e na vida real, é possível aprender a poupar.

Separar o dinheiro de guardar e o de poupar: Depois de abrir a conta no APP do banco para a criança e fazer o primeiro depósito, convide-a a decidir quanto irá manter na conta para gastos e quanto deseja deixar reservado para o sonho. A cada depósito feito, volte novamente com a criança e faça essa pergunta. 

Alguns bancos já oferecem a possibilidade de poupar dinheiro para diferentes objetivos, etiquetando os sonhos em cada aplicação. Mostre à criança essa possibilidade e convide-a a participar de todo o processo. Inspire-se nas histórias de pequenos economistas.

Incentivar a criança a ajudar na economia da casa: Por fim, você pode convidar a criança a poupar energia, água e evitar o desperdício de alimentos e combine com ela um valor que será depositado em sua conta virtual caso a meta de economia da família seja alcançada. Assim, ela poderá contribuir efetivamente para acelerar a realização de seus objetivos. Afinal, é de pequeno que se aprende!