Claudia trabalha desde os 15 anos, casou-se cedo e, como muitos brasileiros, dedicou-se à compra da casa própria. Depois de conquistar seu primeiro apartamento, conseguiu comprar mais dois imóveis. Uma casa na praia para passar os fins de semana e feriados com a família e outro apartamento que está alugado e rende R$ 1.500,00 ao mês. Hoje, aos 45 anos, ela se orgulha do patrimônio que construiu.
João acaba de realizar seu grande sonho. Depois de juntar dinheiro por dois anos, conseguiu pagar a entrada do financiamento para comprar o carro esportivo que desejava desde menino.
Marina ganha a vida vendendo maquiagem e cosméticos para parentes e vizinhas do prédio. Em 2015, depois de perder o emprego, descobriu que a venda por catálogo poderia lhe trazer uma renda considerável e a possibilidade de trabalhar em horários flexíveis.
As histórias de Cláudia, João e Marina são reais (os nomes foram trocados para preservar suas identidades) e inspiradoras, porque revelam conquistas de sonhos desejados por muitos brasileiros. Mas conhecendo melhor cada uma dessas histórias, nos deparamos com conflitos e complicações que poderiam ter sido evitados se esses personagens tivessem recebido uma orientação financeira adequada em determinados momentos.
Falta de planejamento
Claudia, por exemplo, começou a entrar em dívidas no cartão de crédito para mobiliar seus imóveis. Como tinha um ótimo emprego, não se preocupava em controlar as contas nem em formar uma reserva de emergências. Seus gastos foram aumentando e o padrão de vida foi crescendo, até estar acima de suas possibilidades.
O resultado foi desastroso. Em apenas três anos, ela acumulou R$ 60 mil em dívidas no rotativo do cartão e no cheque especial. Mesmo alugando sua casa na praia, a renda que recebe não é suficiente para equilibrar seu orçamento. Há seis meses, Claudia tenta vender uma de suas casas para saldar seus compromissos, mas o mercado imobiliário não tem sido favorável. Leia: Crédito fácil? Cuidado, ele pode ter um preço alto.
No caso de João, a parcela do carro corresponde a 30% de sua renda. Porém, junto com a compra do automóvel vieram outros custos que ele não calculou. A consequência é que os gastos com seguro, combustível, impostos, manutenção e estacionamento, junto com a prestação, passaram a representar mais da metade de sua renda. Sobra pouco para pagar o aluguel, supermercado, escola, remédios e outros itens essenciais. João enfrenta, agora, um dilema: contratar outros empréstimos, entrando em mais dívidas, ou abrir mão do sonho de criança? Leia: Tá pensando em comprar um carro?
Já a Marina, mesmo sendo ótima vendedora, tem visto a receita que obtém com os cosméticos cair a cada dia, já que, com a crise, as pessoas reduzem a compra de produtos que não são essenciais. Suas entradas são suficientes para pagar apenas as despesas de casa. Se tivesse um pouco mais de sobra, poderia montar um pequeno estoque para atender aos clientes que desejam ter produtos na hora para presentear seus amigos. E, assim, aumentar sua rDinheiro
Três desafios, uma única causa: a falta de liquidez
Apesar de enfrentar desafios diferentes, a causa dos problemas de Claudia, João e Marina é a mesma: falta de fôlego financeiro. Um orçamento sem folga é igual a um armário abarrotado, sem espaço para nenhuma roupa ou sapato novo. Quando vamos às compras, nem pensamos sobre como acomodar ou combinar os itens novos com o que já temos em casa. Assim também ocorre com as contas. É comum tentarmos encaixar despesas e dívidas no orçamento até o limite das possibilidades. Criamos a ilusão de que daremos um jeito e conseguiremos fazer mágica para que esses novos compromissos caibam no espaço disponível.
Porém, ao contrário do armário, que permite ver claramente quando está lotado, é preciso fazer contas para enxergar se há espaço disponível no orçamento antes de tomar decisões financeiras. Geralmente, essas contas não são feitas. Assumimos compromissos com base em suposições. E, se todo o nosso dinheiro já tem uma finalidade pré-definida, quando surge algum imprevisto, ficamos de mãos atadas.
Outro equívoco comum é “imobilizar” todo o patrimônio. Apesar de ser um investimento interessante, imóveis não têm liquidez, que é a capacidade de um investimento se transformar em dinheiro líquido e disponível a qualquer momento. Vender um imóvel pode levar meses ou anos, enquanto os juros do rotativo e do cheque especial correm a cada dia, como vimos no caso de Claudia. Para saldar esse tipo de dívida, é importante ter folga no orçamento e dinheiro aplicado em investimentos com alta liquidez.
Apertar o orçamento para encaixar um financiamento de veículos também pode gerar despesas não previstas, como aconteceu com o João, que não contava com os custos invisíveis que estão embutidos na compra de um carro.
Como construir um fôlego financeiro
Para evitar situações desagradáveis como essas e ter uma folga no orçamento, vale a pena seguir quatro regras básicas.
1. Viva um degrau abaixo: Mesmo que seu orçamento permita assumir uma parcela maior, procure encaixar seus financiamentos dentro de um patamar um pouco abaixo do seu limite. Escolha um apartamento menor, um carro mais simples, adie aquela viagem por seis meses e deixe espaço livre para que você possa lidar com imprevistos ou oportunidades.
2. Poupe antes de gastar: Sempre que entrar algum dinheiro, seja de sua renda regular, como salário, ou de vendas de produtos e serviços, separe um percentual para poupar e se organize para viver com o restante. Assim, você vai formando uma reserva aos poucos e garante uma folga no seu orçamento. Se algo apertar, pode contar com esse recurso.
3. Faça contas: Antes de adquirir um imóvel, um carro, mudar de bairro ou tomar qualquer decisão que afete seu padrão de vida, procure saber os gastos embutidos. O seguro vai custar mais caro? Vou gastar mais para chegar ao trabalho? Os preços na região são mais caros? Quanto custará a escola dos filhos? Avalie muito bem e só dê o passo quando tiver certeza de que seu orçamento será suficiente para encaixar todas as despesas que vêm junto com a sua decisão.
4. Invista em produtos de liquidez: Não imobilize todo o seu dinheiro. Antes de comprar imóveis para investir, monte uma reserva equivalente a seis meses de suas despesas e aplique esse dinheiro em investimentos de alta liquidez e baixo risco, como o Tesouro Direto Selic, fundos DI ou poupança. Esse é seu “colchão” de segurança. Se algo ocorrer você terá algum dinheiro para dispor sem ter que sair correndo para vender seus bens.
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Matéria publicada em 01 de maio de 2019 e atualizada em 05 de novembro de 2021