Em 2023, três em cada 10 mulheres relataram sofrer algum tipo de violência doméstica ou familiar. Cerca de 34% dessas queixas foram relacionadas a abusos financeiros e à violação de direitos relacionados ao patrimônio. É o que aponta o Mapa Nacional da Violência de Gênero, plataforma interativa que agrega dados públicos oficiais sobre violência contra as mulheres, reunindo bases de dados do Senado Federal, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Sistema Único de Saúde (SUS).
Muitas vezes ignorada, a violência financeira e patrimonial rouba a independência da mulher, impedindo que ela tenha autonomia para sair de relacionamentos abusivos ou reconstruir suas vidas. Apesar de não deixar marcas visíveis, esse tipo de violência deve ser tratado com seriedade.
“Tanto para a mulher que é vítima desse ou de qualquer outro tipo de violência, quanto para as pessoas que estão em volta e querem ajudar, o principal passo para romper o ciclo de violência, impedindo que ele se agrave, é fazer a denúncia”, afirma Ellen dos Santos Costa, coordenadora-geral da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180.
O que é violência financeira e patrimonial
A Lei Maria da Penha caracteriza como violenta qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades básicas da mulher.
Os abusos financeiros, que costumam ser praticados pelos parceiros dessas mulheres, incluem o controle ou destruição de bens, como o celular, a proibição de que elas trabalhem fora, e a criação de impedimentos para que façam a gestão do orçamento doméstico, acessem contas e extratos bancários ou utilizem cartões de crédito.
Programa de Prevenção à Violência contra a Mulher do setor bancário
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e entidades representativas do setor bancário, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), firmaram parceria para com o Instituto Maria da Penha e outras organizações da sociedade civil para contribuir com uma maior conscientização e prevenção à violência contra a mulher.
Como parte da iniciativa, a Febraban criou a série Mulheres, com vídeos e podcasts que debatem o machismo estrutural e seus reflexos na sociedade e na violência contra a mulher, disponíveis em seu canal no Youtube e Spotify. No vídeo abaixo, você acompanha a conversa de Mona Dorf, diretora adjunta de Mídias Sociais da Febraban; Regina Barbosa, vice-presidente e diretora pedagógica do instituto Maria da Penha; e Fernanda Lopes, secretária da Mulher da Contraf-CUT:
As ações do programa envolveram, ainda, o lançamento da cartilha Sexo Frágil – Um Manual sobre Masculinidade e suas Questões, organizada pelo Instituto Maria da Penha, e do livro Como conversar com homens sobre violência contra meninas e mulheres, produzido pelo Instituto Papo de Homem, que traz um guia prático sobre como os homens podem tornar-se aliados ao fim da violência contra as mulheres.
Como identificar a violência financeira
Reconhecer os sinais de constrangimento, coerção e intimidação é o primeiro passo para a prevenção, mas nem sempre é fácil reconhecer que você ou alguma conhecida está sendo vítima de violência patrimonial e financeira, que podem se manifestar de diferentes maneiras.
Principais sinais de alerta de violência financeira contra as mulheres
Veja, a seguir, os sinais mais comuns e que devem ser observados com atenção:
- Acessar o celular sem permissão para ver ou enviar mensagens ou bloquear acessos.
- Reter documentos pessoais e se recusar a devolvê-los ou utilizá-los para chantagem.
- Menosprezar a capacidade da mulher de gerenciar suas próprias finanças, decidindo como gastar o dinheiro por ela.
- Controlar o recebimento de salário ou outra fonte de renda, acessando senhas e cartões de débito para movimentar o dinheiro sem a permissão da mulher.
- Fazer dívidas em nome da mulher, usando o seu cartão de crédito, falsificando assinaturas ou, ainda, contratando empréstimos sem autorização.
- Humilhar e manipular a mulher, forçando-se como único provedor de renda da casa, proibindo, muitas vezes, que ela trabalhe fora de casa.
- Controlar o uso do dinheiro, incluindo o necessário para a compra de itens pessoais básicos, como absorventes e produtos de higiene, como maneira de manipular.
- Receber benefícios do governo em nome da mulher. Em muitos casos, ela desconhece que é beneficiária.
- Não pagar pensão alimentícia aos filhos, à ex-companheira ou outro dependente.
- Quebrar objetos pessoais intencionalmente, como o celular, especialmente durante ou após uma discussão.
- Destruir fotos e lembranças pessoais da vítima, de forma proposital.
- Usar bens da vítima, como o automóvel, sem seu consentimento.
O que fazer quando você é a vítima
A violência financeira e patrimonial não vem sozinha. Em geral, a mulher que vive essa situação também sofre outros tipos de cerceamentos e abusos, inclusive a agressão física, dentro de casa. Em função da truculência e da forçosa relação de dependência com o parceiro, a mulher muitas vezes se sente intimidada, envergonhada ou tem medo de tomar uma atitude para barrar a violência.
Em outros casos, ela é ameaçada com a perda da guarda dos filhos e corte de pensão alimentícia ou, ainda, acredita que as coisas podem melhorar. Esses quadros podem, ainda, vir acompanhados de isolamento social e familiar.
Importante saber que, além da proteção legal, a mulher vítima de violência conta com uma enorme rede de apoio em todo o país. Conheça, abaixo, alguns dos serviços disponíveis em todo o país.
Canais de denúncia: ligue para 180
O abuso financeiro e a violência patrimonial são abrangidos pela Lei Maria da Penha, que proíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesses casos, a mulher pode buscar ajuda na Defensoria Pública do seu estado, onde encontrará, inclusive, apoio jurídico gratuito. Ou, ainda, nas Delegacias da Mulher distribuídas por todo o território nacional.
Outro importante canal de denúncias é o Ligue 180, mantido pelo Ministério das Mulheres. “Além de registrar a queixa, o serviço presta orientações e informações às vítimas de violência, 24 horas por dia, todos os dias da semana”, explica a coordenadora geral do programa.
O contato pode ser por telefone (180), de qualquer lugar do Brasil, ou via chat no WhatsApp (61) 9610-0180.
Você também pode procurar qualquer serviço especializado da rede de atendimento à mulher, como a delegacia especializada ou um centro de referência (abaixo).
Rede de apoio à mulher vítima de violência
Em todo o país, há uma ampla rede de serviços voltados às mulheres vítimas de violência. Eles oferecem desde suporte psicológico a acolhimento especializado e gratuito. Conheça alguns deles e busque outros disponíveis em sua cidade ou região.
- Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher: possuem números de telefone específicos em cada estado. Verifique os contatos locais no site da Secretaria de Segurança Pública do seu estado.
- Polícia Militar: se preferir, a vítima pode procurar uma delegacia comum, onde deve ter prioridade no atendimento, ou mesmo pedir ajuda por meio do atendimento emergencial prestado pelo telefone 190.
- Defensoria Pública: entre no site da Defensoria Pública do seu estado para consultar endereços e telefones locais.
- Centro de Referência de Atendimento à Mulher: mulheres em situação de violência podem buscar acolhimento, com atendimento e acompanhamento psicológico, social e jurídico realizado por uma equipe preparada, nos Centros de Referência de Atendimento à Mulher.
- Casa da Mulher Brasileira: disponível em dez estados, a Casa da Mulher Brasileira oferece atendimento humanizado à mulher vítima de violência, integrando, em um único local, serviços de acolhimento e triagem, apoio psicossocial, delegacia, Juizado, Ministério Público, Defensoria Pública, promoção de autonomia econômica, cuidado das crianças (brinquedoteca); alojamento de passagem e central de transportes. As Casas funcionam 24 horas por dia, nos sete dias da semana.
- Projeto Justiceiras: buscando suprir a necessidade de canais e sistemas alternativos para combater e prevenir à violência de gênero, o Projeto Justiceiras presta orientação socioassistencial e médica, rede de apoio gratuita e acolhimento on-line. O atendimento é feito pelo WhatsApp (11) 99639-1212.
- Cruzando Histórias: serviço online e gratuito com atendimento em todo o Brasil, o Cruzando Histórias que busca recolocação profissional ou transição de carreira, além de oferecer uma rede de apoio e acolhimento psicológico às mulheres. Basta se inscrever pelo site.
- SOS Mulher SP: focado no apoio à mulher em situação de vulnerabilidade no Estado de São Paulo, o SOS Mulher disponibiliza um aplicativo que permite que as vítimas de violência doméstica sob medida protetiva peçam ajuda à polícia pelo celular. Busque por serviços semelhantes em sua cidade ou região.
Como agir ao identificar a violência financeira contra uma pessoa conhecida
Se você conhece uma mulher que está exposta às situações descritas acima, a primeira recomendação é oferecer uma escuta cuidadosa e colocar-se à disposição para ajudar. A vítima talvez não tenha clareza sobre a gravidade da situação, não veja alternativas ou, ainda, não queira tomar qualquer atitude para proteger os filhos.
Além dos canais que podem ser usados pela própria mulher, qualquer pessoa pode fazer denúncias pelo Ligue 180. É garantido o anonimato a quem faz a queixa.
Como prevenir a violência financeira
A educação financeira tem um papel importante no combate à violência financeira e patrimonial. Pessoas bem-informadas sobre seus direitos e conceitos básicos de finanças pessoais, como orçamento, poupança, crédito e investimentos, têm mais condições de construir sua autonomia financeira.
A dependência em relação ao dinheiro é uma das causas que impedem a mulher de sair de situações abusivas. Dentre as recomendações para evitá-la, estão manter sua própria conta bancária e economias, guardando um pouco de dinheiro por todo mês. O empreendedorismo feminino também pode ser uma ferramenta poderosa para a conquista da independência econômica.
Manter uma rede de apoio formada por amigos, familiares e pessoas de confiança, também é essencial na prevenção. Assim, ninguém solta a mão de ninguém, criando um ambiente seguro em que a conversa pode ajudar a identificar situações e sinais de violência.