“Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos”. A frase de Benjamin Franklin não poderia ser mais precisa. O assunto, porém, continua sendo um grande tabu: é pouco falado e planejado pelas famílias. Ainda que não seja um tema fácil, preparar as finanças para a perda de um familiar é extremamente importante.
É o chamado planejamento sucessório, ou seja, combinados e atitudes envolvendo tanto a transferência de bens que ficarão como herança quanto as pendências financeiras adquiridas em vida. Afinal, como fica quando a família herda dívidas?
É o que explicamos nesta matéria. Vamos ajudar você a entender os principais impactos financeiros da morte em uma família e aprender a se planejar para esse momento. Essa organização é, acima de tudo, um ato de amor, diminuindo os impactos na família em um momento em que ela está fragilizada pela perda de um ente querido.
Primeiro passo: o inventário
Quando uma pessoa falece, a família tem 60 dias para dar entrada no inventário, um processo que envolve o levantamento minucioso de todos os bens e dívidas que o falecido está deixando, a identificação dos possíveis credores, a quitação das dívidas, a leitura das últimas vontades do falecido (se houver testamento), a definição dos herdeiros e a distribuição do patrimônio entre eles.
Esse processo pode levar meses ou anos, dependendo do tamanho do patrimônio, do número de herdeiros e da complexidade do caso. A presença de um advogado é exigida e acarreta custos com cartório, além de honorários advocatícios e impostos pela transmissão dos bens. Entenda o que é inventário e quanto custa receber uma herança.
Como ficam as dívidas após o falecimento?
Uma das primeiras etapas do inventário é mapear e quitar as dívidas existentes. Na maioria das situações, os débitos não são extintos e devem ser assumidos pelos herdeiros, com regras e limites estabelecidos por lei.
Dívidas de caráter pessoal, como as relacionadas ao jogo ou consumo excessivo, não são transferidas aos herdeiros. Já as dívidas decorrentes de obrigações contratuais ou legais podem ser transferidas. Como regra geral, os familiares herdam a dívida até o limite do patrimônio do falecido. Vejamos alguns exemplos.
Dívidas menores que os bens
Se a pessoa que faleceu tinha R$ 50 mil no banco e suas dívidas somavam R$ 30 mil, os recursos irão quitar a dívida e os R$ 20 mil que sobram serão divididos entre os herdeiros. Se o recurso não estiver disponível, mas houver bens que possam ser vendidos, os herdeiros podem pedir ao juiz autorização para vendê-los a fim de quitar as dívidas antes da partilha da herança.
Dívidas maiores que os bens
Agora, se a pessoa possuía R$ 50 mil no banco e suas dívidas somavam R$ 80 mil, os recursos poderão ser usados para quitar integralmente essa dívida. Os herdeiros não receberão nenhum valor como herança, porém não terão que arcar com custos adicionais da dívida.
Sem bens para quitar dívidas
Se a pessoa não tinha dinheiro nem bens em seu nome para quitar as dívidas, as pendências não passam para os herdeiros.
# Lembre-se: a quitação das dívidas antes da partilha da herança é fundamental para evitar que os herdeiros sejam acionados futuramente pelos credores para acertar eventuais pendências do falecido.
Como funciona, na prática, a quitação das dívidas do falecido?
O processo de quitação das dívidas pode envolver algumas estratégias, como uso de bens do espólio, negociação com credores, insolvência e renúncia à herança.
Usar bens e ativos do espólio
Os ativos deixados pelo falecido podem ser usados para pagar as dívidas pendentes. Isso pode incluir a venda de imóveis, veículos ou outros bens do espólio (ou seja, do patrimônio deixado pelo falecido) para gerar fundos que possam ser direcionados para o pagamento das dívidas;
Negociar com os credores
É possível entrar em contato com os credores e buscar opções de negociação, como reduzir o valor ou propor um plano de pagamento viável.
Saldar as dívidas com os ativos do espólio
Se os ativos do espólio não forem suficientes para cobrir todas as dívidas, é possível liquidá-las na medida do possível. Os credores podem receber uma porcentagem do valor da dívida proporcional aos ativos disponíveis.
Recorrer à legislação de insolvência
Quando as dívidas ultrapassam os ativos disponíveis e não há condição de pagamento, é possível recorrer à legislação, declarando falência pessoal ou recuperação judicial. Confira o que é recuperação judicial e quando ela pode ser solicitada.
Renunciar à herança
Ao renunciar à herança, o herdeiro abre mão de todos os direitos e obrigações relacionados aos bens e dívidas do falecido. Não receberá nenhum bem ou ativo, mas não será responsável pelas dívidas pendentes. Essa renúncia deve ser feita por meio de uma declaração por escrito em cartório ou tribunal competente e é geralmente irreversível, por isso vale a pena buscar orientação jurídica antes de definir a melhor estratégia para lidar com as pendências deixadas pelo falecido.
Qual é a ordem de prioridade das dívidas do espólio?
A quitação das dívidas após o falecimento deve seguir uma prioridade estabelecida por lei. Em primeiro lugar, devem ser pagas as dívidas trabalhistas, ou seja, encargos a funcionários contratados pela pessoa falecida. Por exemplo, se havia um empregado doméstico ou cuidador, seus direitos trabalhistas devem ser pagos primeiro.
Em seguida, vem as dívidas fiscais, como o Imposto de Renda, IPVA, IPTU e tributos em geral. Por fim, deve-se quitar as dívidas chamadas quirografárias, ou seja, sem garantia real, como aluguéis, condomínios, contas de consumo, faturas de cartão, cheque especial, entre outras. Saiba mais sobre como priorizar o pagamento das dívidas.
Financiamentos e empréstimos com seguro prestamista
Em geral, no ato da contratação de um empréstimo ou financiamento de bens, como casa ou veículo, a instituição financeira oferece a possibilidade de contratação do seguro prestamista.
Se os bens financiados ou empréstimos feitos pelo falecido tiverem o seguro prestamista, a dívida será coberta pelo seguro e a herança será preservada, sem que o patrimônio precise ser usado para quitar as dívidas.
Embora a contratação seja opcional, o seguro prestamista é uma excelente ferramenta de planejamento sucessório. Saiba tudo sobre o seguro prestamista.
Custos com inventário e herança
Mesmo que todas as dívidas tenham sido quitadas com os bens e ativos do espólio, é sempre importante lembrar que o processo de inventário e a transferência de bens apresentam custos bastante significativos.
Os honorários advocatícios, os custos de cartório e o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) têm impacto significativo sobre a herança. Para se ter uma ideia, o ITCMD, um tributo estadual, pode custar entre 4% e 8% sobre os bens transmitidos, dependendo do estado.
Como planejar uma sucessão tranquila
Uma forma eficaz de evitar que os entes queridos acabem herdando uma série de problemas financeiros após a morte de um parente é fazer um planejamento sucessório. Confira algumas orientações sobre como prevenir essas dificuldades antes do falecimento.
#1 Contratar seguros prestamistas
Ao contratar um empréstimo ou financiamento, verifique a possibilidade e o custo de fazer um seguro prestamista para garantir que as parcelas sejam quitadas em caso de falecimento. Em geral, o valor acrescido à parcela é muito baixo em relação à tranquilidade que esta medida pode causar. Isso vale também para o empréstimo consignado, já que, assim como outras dívidas, ele também está sujeito a ser cobrado dos herdeiros.
#2 Contratar um seguro de vida
Especialmente indicados para provedores da família, em que todos dependem de sua renda para viver e não têm reservas para custear as despesas de inventário e transmissão de bens, o seguro de vida pode ser uma ferramenta muito eficaz.
Isso porque o seguro de vida não participa do inventário. A indenização é paga aos beneficiários assim que constatado o falecimento, conforme as regras da contratação. Esse dinheiro, livre de impostos e de burocracias, pode ser muito bem-vindo para arcar com custos advocatícios, de cartório e impostos, além de cobrir as necessidades da família após a perda do provedor, especialmente em casos nos quais o inventário demora muito a ser concluído e a família se vê de “mãos atadas” para tomar decisões com o patrimônio do falecido.
#3 Doar os bens em vida
Para evitar conflitos na família e a burocracia do inventário, é possível ainda se antecipar à sucessão, efetuando a doação dos bens ainda em vida. Em todos os estados brasileiros há regras para a isenção do ITCMD, como por exemplo para bens ou aplicações financeiras de valores baixos. Assim, o provedor pode efetuar as transferências gradativamente em vida, evitando que haja bens em seu nome na hora de seu falecimento. Isso pouparia significativamente os custos e o trabalho de sua família no momento de realizar o inventário.
#4 Fazer um testamento
Por lei, 50% da herança do falecido deve ser transmitida a seus herdeiros legítimos (descendentes, ascendentes e cônjuge). Caso a pessoa deseje beneficiar alguém que não está entre esses herdeiros, pode direcionar a parte disponível a quem desejar, desde que escreva um testamento, preferencialmente público, na presença de um tabelião e duas testemunhas. Desta forma, suas vontades serão atendidas e respeitadas.
Essas medidas não irão minimizar a dor da perda, mas podem reduzir significativamente os impactos financeiros e os conflitos que uma morte pode causar na família.