Passar por uma perda é sempre um processo muito doloroso. Em geral, não estamos preparados para nos despedir das pessoas que mais amamos. Além do impacto emocional, a morte de um pai ou de uma mãe, por exemplo, coloca a família diante de outra situação muitas vezes esquecida: a distribuição da herança.
Como é um processo que demanda burocracias, diálogo, tempo, dinheiro e paciência, este assunto normalmente é sempre deixado para depois. Há famílias que simplesmente decidem não fazer o inventário e tem aquelas que “empurram com a barriga”. Esse comportamento tem explicação, pois dois grandes tabus, com os quais as pessoas têm dificuldade de lidar, estão envolvidos nesse contexto: dinheiro e morte. Porém, o adiamento pode ter um alto custo financeiro e emocional.
Por outro lado, para quem quer deixar tudo em ordem e não ter dor de cabeça no futuro, o segredo é conhecer a lei que regulamenta a distribuição de herança e se planejar, tanto se você tem herdeiros e se preocupa com o futuro quanto se é uma das pessoas que, um dia, receberão alguma herança.
Confira com a gente os procedimentos, principais custos envolvidos e algumas dicas para você e sua família se organizarem da melhor forma.
Quem tem direito à herança?
De acordo com o artigo 1.829 do Código Civil, existe uma linha sucessória que define quem poderá receber a herança. A sucessão legítima segue a seguinte ordem:
- Descendentes (filho, neto e bisneto) em concorrência com o cônjuge.
- Ascendentes (pai, avô, bisavô) em concorrência com o cônjuge.
- O cônjuge (caso não haja descendentes ou ascendentes).
- Parentes colaterais (os de até 4º grau, na ordem: irmãos, sobrinhos, tios e primos).
O que é um inventário?
É uma medida legal, portanto, obrigatória, que envolve o registro de todos os bens patrimoniais e dívidas de quem faleceu, além de informações sobre como será a partilha entre os herdeiros e como as eventuais dívidas serão pagas.
Por lei, a entrada da documentação do inventário em cartório ou pelo judiciário deve acontecer em até 60 dias após o óbito (com exceção de período decretado como calamidade pública, como na atual pandemia), sob pena de multa, caso o prazo não seja cumprido. Só depois de sua elaboração os herdeiros podem tomar posse dos bens.
Nesse processo, os bens são primeiramente utilizados para saldar eventuais dívidas deixadas pelo falecido. Se o valor não for suficiente, os herdeiros devem abrir mão de sua herança total em cartório. Alguns tipos de dívidas, como empréstimo consignado e financiamento imobiliário, são cancelados quando acontece o óbito e, portanto, não entram no inventário. Isso acontece porque essas modalidades costumam estar atreladas a um seguro.
Assim que o inventário fica pronto, a divisão pode ser feita e os bens são transferidos para o nome de cada herdeiro.
Onde dar entrada no inventário?
Inventário em Cartório
A lei permite que o inventário seja feito em cartório, o que não exime a família da contratação de um advogado. Este processo, na maioria das vezes, é mais rápido (pode ser concluído em poucos meses) e menos custoso. Porém, existem algumas exigências para esta opção: nenhum herdeiro pode ser menor de idade (ou ter alguma limitação que o impeça de decidir), a família precisa chegar a um consenso e não pode haver testamento. Ele deve obrigatoriamente ser conduzido por um advogado particular (não pode ser defensor público).
Inventário com Processo judicial
Este é o caminho para os casos que não se encaixam com as exigências acima (de cartório) e, sobretudo, quando existe divergência entre os herdeiros. Os custos pagos no processo contemplam o pagamento de todas as ações e salários dos profissionais no judiciário. Porém, como é um trâmite que, em muitos casos, demora anos, a família pode ter a oportunidade de se planejar.
Vale lembrar que, caso haja testamento, um novo processo é aberto, à parte, com seus custos próprios. Isso porque nem sempre o que está declarado pelo falecido está adequado com o que diz a lei. E, por esta razão, deve ser analisado pelo judiciário.
Quanto custa para fazer um inventário?
A elaboração deste documento tem três custos principais:
1. Honorários advocatícios
Este valor é regido pela tabela de serviços da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de cada estado e pode ser definido de duas formas, pagando um valor fixo ou um percentual sobre o patrimônio. Pela tabela do Estado de São Paulo, por exemplo, uma família paga R$ 4.591,99 para esta contratação ou 8% sobre o valor do patrimônio herdado (quando existe consenso) ou 10% (quando não há consenso).
Caso a família não tenha dinheiro para fazer um inventário, pode pedir ao juiz autorização para a venda de um dos bens, e este valor cobrirá os custos do processo. Outro caminho é comprovar a impossibilidade de pagamento na assistência judiciária de sua cidade – assim, um defensor público poderá cuidar do caso. Também pode ter isenção ou parcelamento dos demais custos.
2. Custos de cartório ou de processo
O cartório fica responsável pela emissão da escritura pública do inventário e suas taxas são cobradas de acordo com uma tabela progressiva. Também pode ser necessário o pagamento de reconhecimentos de firma, certidões negativas ou cópias autenticadas, mas o tabelião poderá ajudá-lo neste levantamento.
3. ITCMD
No processo de divisão, a família também deve arcar com o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), que é a taxa paga para que a transferência de bens seja realizada. Cada estado tem a sua alíquota, que varia de 4% a 8% sobre o valor do bem herdado. Cada herdeiro tem a responsabilidade de pagar o seu ITCMD.
Alguém que recebe um bem de R$ 100 mil em São Paulo (onde o ITCMS é de 4%, mas em vias de mudar caso a PL n° 250/2020 seja aprovada) precisa pagar a taxa de R$ 4 mil. Caso pague em até 90 dias, contados a partir do falecimento, os herdeiros recebem um desconto. Depois disso, paga-se à vista ou parcelado.
Os custos listados (do advogado, do cartório ou do judiciário e do imposto) variam de acordo com a complexidade da causa, o número de herdeiros, o valor do patrimônio, as taxas praticadas em cada estado e se existe consenso entre os herdeiros.
É bom lembrar que há uma proposta em andamento no Senado para aumentar este imposto para 20%, ou seja, para receber um patrimônio de R$ 100 mil, os herdeiros teriam que desembolsar R$ 20 mil de impostos. Embora esta medida ainda não tenha sido aprovada, ela segue a tendência de vários países desenvolvidos, onde os impostos para transmissão de herança são bem mais altos (entre 40% e 60%).
Para evitar essa mordida do governo, a recomendação a quem vai deixar herança é providenciar a doação e transferência dos bens aos futuros herdeiros ainda em vida, porém com uma cláusula de usufruto, que garanta o uso dos bens até o falecimento.
O que fazer depois que o inventário está pronto
Quando o inventário está pronto, inclui imóveis e o patrimônio é dividido, os herdeiros devem fazer a escritura dos bens num cartório de registro de imóveis. Esta também é uma tabela progressiva (de acordo com o valor da propriedade) que tem variação de estado para estado.
“Quando meus clientes me questionam sobre os altos custos de um inventário, digo que uma herança é um presente que você recebe de seus pais ou de outra pessoa. Cabe a você regularizar a propriedade desse presente”, explica a advogada Marcia Oliveira, que decidiu trabalhar apenas em situações em que há consenso sobre a herança. Para ela, a conciliação permite desonerar o processo: “quanto mais briga, mais caro fica”.
Também vale ressaltar a importância de dar entrada no inventário a cada óbito. Imagine que os filhos não podem receber herança de seus pais caso o inventário de seus avós não tenha sido feito. Ou seja, enquanto os integrantes de uma família vão falecendo, a necessidade de realização dos inventários se acumula, tornando o processo ainda mais complexo, demorado e caro.