Rotinas cumpridas de forma mecânica ocupam boa parte de nossos dias. Os hábitos correspondem a 45% de nossas atitudes diárias, conforme mensurou um estudo da Universidade de Duke-EUA. Isso representa quase metade do tempo que dispomos acordados.
Não poderia ser diferente. Sem o automatismo proporcionado pelos hábitos, estaríamos fadados a planejar, acionar e monitorar as etapas de cada ato diário como se fosse a primeira vez - desde colocar um carro em movimento a sequenciar a posição dos dedos quando digitamos um relatório. Trata-se de uma habilidade que explica nossa capacidade de sobrevivência, embora nos exponha igualmente a rotinas negativas.
Isso se aplica à vida financeira. Bons ou ruins, os hábitos, com seu poder, moldam também a relação que mantemos com o dinheiro. Essa questão se revela especialmente importante para quem tem como hábito receber o salário, pagar as contas e poupar o que sobrar (o que quase nunca acontece).
Você se identifica com esse perfil? Pois saiba que ele representa mais de dois terços da população. Por isso, é tão importante entender como os hábitos funcionam para, assim, saber como modificá-los.
Entendendo o hábito
Conforme demonstrou o jornalista americano Charles Duhigg no livro O Poder do Hábito, a ciência se interessa cada vez mais pelo tema. Se hábitos são uma reação repetitiva, ativada automaticamente por situações aprendidas e vividas, os pesquisadores se perguntam: como podemos fazer esse mecanismo trabalhar a favor da mudança de comportamentos que não nos fazem bem?
Exemplos disso são as atitudes de gastar mais do que se ganha, não saber onde foi parar esse dinheiro e, por fim, se endividar. Em seu livro, Duhigg compilou duas décadas de estudos até conseguir compreender como os hábitos funcionam e, especialmente, como podem ser transformados.
A formação de padrões
O tema começou a clarear quando a ciência constatou um padrão mental de três etapas que torna o hábito possível. Isso mesmo, apenas três etapas.
Para entender esse mecanismo, pense no ato de escovar os dentes com a mão dominante ou, no caso de um hábito negativo, de acender um cigarro depois de tomar uma xícara de café. Primeiro, o cérebro recebe uma “deixa” para entrar em modo automático; essa “deixa” nos faz cumprir uma rotina já conhecida com um controle mínimo de consciência; por fim, vem o que os pesquisadores chamam de recompensa.
O que seria essa “deixa”? Na maioria das vezes, o contexto ou os padrões que moldam nossa vida exercem esse papel de gatilho.
Como desabituar e assimilar boas rotinas
Desvendado o mecanismo, os pesquisadores chegaram à conclusão de que precisamos identificar as deixas e recompensas que impulsionam as rotinas, se pretendemos de fato modificá-las. E elas podem ser transformadas, por mais poderoso que o hábito pareça, como demonstram inúmeros exemplos na vida.
Assimilar uma rotina exige prática. Deixá-la de lado para adotar uma nova, também. A prática é um dos segredos para lidar com os hábitos, mesmo mecanismo exigido para o aprendizado de um instrumento ou de uma língua estrangeira, por exemplo.
A seguir, confira como essas descobertas podem ser aproveitadas se quisermos ter uma relação equilibrada e ativa com nossos recursos financeiros.
Dicas para criar bons hábitos financeiros e poupar ao longo do ano
Se um gatilho nos faz sair gastando automaticamente, existem maneiras simples de contorná-lo como um primeiro passo para mudar o padrão mental.
Fixe uma aplicação automática
Programe-a para ser feita no dia de receber o salário ou outro pagamento. Com um clique na conta corrente, podemos quebrar o padrão de esperar o fim do mês para ver o que sobra. Em pouco tempo, nem notamos mais o corte que fizemos no orçamento. Veja como funciona o investimento programado.
Adote um cofrinho
O método infantil, com seu aspecto lúdico, continua válido para adultos dispostos a iniciar um treinamento para poupar. Nesse caso, o gesto despretensioso escapa do gatilho mental. Guarde os trocos por um prazo determinado e, então, faça uma aplicação. Recomece a brincadeira até sentir que se tornou uma rotina e não depende mais do cofrinho.
Defina objetivos
Aspirações como equipar a casa nova, acabar com as dívidas ou fazer um curso no exterior representam uma oportunidade de exercitar o planejamento financeiro. Definir objetivos, para muitas pessoas, aciona a motivação para poupar. Para torná-los palpáveis, coloque no papel cada um desses desejos e avalie quanto custaria viabilizá-los.
Programe um desafio financeiro
Transforme em um desafio a necessidade de se preparar financeiramente para concretizar os planos que colocou no papel. Comece com uma meta objetiva, como neste exemplo: para evitar dívidas causadas por emergências, você precisará de uma reserva de R$ 4.500. Para chegar lá, determine um prazo viável para guardar esse valor. Em um ano, a parcela mensal corresponderá a R$ 375,00. Esta será sua meta de poupança.
Desafie-se durante 52 semanas
Essa técnica de poupança também utiliza a lógica de provocar o espírito competitivo. Durante um ano (ou 52 semanas), é colocada à prova a capacidade de preservar uma quantia por semana, em uma progressão. Pode-se começar por R$ 1 ou R$ 5. O desafio consiste em não tocar nesse dinheiro antes de um ano, tempo para se aprender a mecânica da poupança.
Organize-se com o método dos envelopes
A técnica facilita enxergar como distribuímos o dinheiro que batalhamos para ganhar. Funciona como uma planilha de despesas, mas cada envelope contém dinheiro real ou comprovantes de pagamento, útil para quem tem dificuldade de levar uma planilha a sério. Assim, fica mais fácil economizar e separar uma parte, mesmo que pequena, para guardar.
De gastador a poupador
Entender o perfil de quem poupa com facilidade também é um caminho para virar o jogo, e isso inclui observar seus hábitos financeiros. Mesmo sabendo que a relação com o dinheiro tem uma grande carga de fatores internos, não se trata de uma missão impossível.
Há cinco atributos que diferenciam o poupador do gastador e podem ser assimilados com a prática: autocontrole, foco, disciplina, paciência e capacidade de postergar uma compra para um benefício maior despois. Veja:
Não se deixar levar define quem tem autocontrole, e isso inclui as tentações que surgem em cada esquina, fatais para quem não tem foco nos objetivos e prioridades.
A disciplina necessária para ter bons hábitos alimentares ou fazer exercícios regularmente também diferencia quem assume o propósito de guardar dinheiro.
Tão necessário para poupar, o pensamento de longo prazo decorre da paciência e determinação marcantes da pessoa que começam com pequenos aportes e, sem hesitar, posterga gratificações para usufruí-las no futuro.