Filhos adultos e as finanças dos pais

Como identificar e lidar com situações de dependência emocional e financeira que nunca chegam ao fim

19 de novembro de 2019 10 min. leitura

Como identificar e lidar com situações de dependência emocional e financeira que nunca chegam ao fim 

Marcelo tem 32 anos. É advogado e ganha um bom salário. Viaja com frequência com a namorada e curte jantares, bares e shows com a turma de amigos. Gosta de se vestir bem e ainda consegue fazer uma reserva financeira, que cresce a cada dia. Já seus pais, que são aposentados e têm mais de 70 anos, gastam bastante em plano de saúde e medicamentos, além de pagar condomínio, água, luz, gás, transporte e alimentação. Deles e do Marcelo, que mora com os pais e tem tudo nas mãos: casa arrumada, comida pronta e roupa lavada.

O exemplo não é fictício e mostra um viés da realidade vivida pelas famílias brasileiras. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), um a cada quatro jovens entre 25 a 34 anos moram com os pais. Esse grupo ganhou o apelido de “geração canguru” e é formado, em sua maioria, por homens (60,2%). É um retrato da tendência das novas gerações, que buscam adiar sua independência financeira.

Esse quadro não se modifica, necessariamente, quando o jovem sai de casa. É comum encontrar histórias que filhos que continuam recorrendo ao dinheiro dos pais mesmo depois de casados ou morando sozinhos. Quando chegam os netos, a dependência tende a se agravar. Assim como fazem com os filhos, os avós querem suprir todas as demandas dos pequenos.

Dependentes na meia idade

Há, ainda, pessoas acima de 45 anos que ainda vivem à custa dos pais. Não se consolidaram em uma carreira e vivem de pequenos bicos ou sem renda própria. “É uma geração que não conseguiu guardar dinheiro na época das altas da inflação, quando começava sua vida profissional e produtiva. Em geral, são pessoas que foram dispensadas de seus empregos e não conseguiram se recolocar depois”, explica a consultora em psicologia econômica e especialista em finanças comportamentais Vera Rita de Mello Ferreira*.

Nessas diferentes situações, muitos pais, alguns aposentados e outros ainda na ativa, precisam sustentar a si próprios e aos filhos, em um momento da vida em que deveriam relaxar, descansar e se divertir. Muitas vezes, enfrentam a fragilidade emocional e material ao usar suas reservas de uma maneira que não planejaram, comprometendo sua própria segurança financeira. Ou, ainda, entram em dívidas para ajudar os filhos. No Brasil, mais de 9,5 milhões de brasileiros acima dos 60 se encontram endividados (dados do Serasa e do SPC Brasil).

Relações de dependência: o que está em jogo?

O hábito de cuidar dos filhos e o amor que sentem por eles acabam impedindo que muitos pais vejam a situação com clareza. “Grande parte deles gostam de manter os filhos sob as asas ou se sentem sozinhos e querem companhia. Para eles, ter os filhos em casa ainda é uma fonte de gratificação”, afirma Vera Rita. “Ficam divididos porque querem o melhor para eles e os protegem”.

Segundo Vera, alguns filhos podem até se sentir mal quando percebem que estão sendo um peso para os pais, mas não fazem nada. “O impulso da inércia é muito forte. Precisamos fazer um esforço enorme para realizar coisas, mas nossa tendência é nos mantermos em uma posição de economia de energia, que herdamos dos nossos ancestrais. Se a situação é minimamente suficiente para a sobrevivência, continuamos dessa forma”.

Nessa confusão emocional e ética, a negligência com o dinheiro e, consequentemente, com o bem-estar dos envolvidos cresce de forma velada. Em nome do amor, perdem todos. Os pais porque têm os últimos anos de vida comprometidos. E os filhos porque não conseguem conquistar a autonomia necessária para ingressar na vida adulta.

Dicas para pôr a vida financeira e as relações no devido lugar

1) Cartas na mesa: reúna a família para falar sobre dinheiro. Apresente recibos, contas, notas, planilhas, dívidas, extratos e boletos e explique suas fragilidades, limitações e expectativas. Se ainda está em atividade, fale sobre seus planos em parar de trabalhar. Ouça atentamente seus filhos para entender suas prioridades, razões e motivações. Juntos, conseguirão fazer escolhas, colocando na balança o que precisa ser considerado e o que devem abrir mão. Veja mais dicas na matéria Falar sobre dinheiro é o melhor remédio.

2) Faça acordos: se seu filho adulto mora com você, depois de conversar, é hora de fazer combinados. Qual será a participação de cada um nas despesas da casa? Seu filho tem planos para sair de casa? O que ele fará para alcançar esta meta? Existe algum dinheiro que precisa ser ressarcido aos pais? Quando isso será feito? Com esse exercício, vocês conseguirão construir um novo ciclo de maturidade.

3) Novos caminhos: quando a ausência da contribuição do filho está relacionada à falta de trabalho, é necessário estimulá-lo a pensar em novas possibilidades, abrir a mente e colocar os pés no chão. Se ele está desempregado há alguns anos e decidiu que só irá trabalhar quando achar uma ocupação da sua área de formação, não são os pais que devem sustentar essa decisão. Você pode mostrar a ele que este pode ser um ótimo momento de experimentar novos rumos, fazer cursos em outras áreas e até encontrar atividades que gerem renda extra. Veja algumas oportunidades na matéria 14 maneiras de fazer renda extra.

4) Não contraia dívidas: diante de um pedido dos filhos, tente ao máximo não emprestar seu cartão de crédito, contratar empréstimo consignado ou usar o cheque especial para algo que eles desejem. A sugestão é estimulá-los a vender algum bem pessoal para levantar o dinheiro que precisam e evitar contrair dívidas em seu nome. Se ele pedir dinheiro para investir num novo negócio, pense duas vezes: aquelas reservas que você fez durante anos podem ir por água abaixo.

5) Violência financeira: essas delicadas relações de família, quando entendidas, podem ser resolvidas. Porém, há limites. Levar os pais até o caixa do banco e passar a mão no dinheiro da aposentaria configura crime. “Alguns idosos não se dão conta de tudo o que está acontecendo. Outros, chantageados emocionalmente, sentem que se não derem tudo o que têm os filhos irão abandoná-los”, relata Vera. Saiba mais na matéria Abuso econômico contra idosos e mulheres.

6) Pense primeiro em você: você provavelmente já conhece as normas de segurança dos aviões: em caso de emergência, colocar o colete salva-vidas e a máscara de oxigênio primeiro em você e, depois, nos filhos. Isso também vale para a vida financeira. Colocar a emoção na frente da razão não protege ninguém: você não terá dinheiro para viver com tranquilidade e eles, que têm anos produtivos pela frente, não terão maturidade suficiente para puxar para eles a responsabilidade de sustentar a própria vida. 

7) Não se deixe levar pela culpa: se você costuma se martirizar por falar um não para seus filhos, reflita. Isso pode ter relação com carências e ausências que você traz da sua própria história de vida e que, de alguma forma, senta suprir na relação com eles. O dinheiro é usado, ainda, para tapar buracos da culpa e parece ser um perfeito mecanismo de compensação. Se você precisou trabalhar muito quando as crianças eram pequenas, por exemplo, pode estar tentando compensar aquela ausência dando dinheiro. Nesse caso, busque refletir sobre o que está deixando de herança. Qual é o legado que você quer deixar para seus descendentes? É melhor entregar o seu dinheiro ou valorizar a importância do conhecimento e da perseverança, por exemplo? E lembre-se: amparar nem sempre significa colocar todos os pesos nas suas costas.

* Vera Rita de Mello Ferreira é doutora em psicologia social pela PUC-SP. Atua na área de psicologia econômica há 25 anos e trabalha com educação financeira desde 2006. Mantém o canal Pílulas de Psicologia Econômica no Youtube, é consultora e escreveu os primeiros livros de psicologia econômica no Brasil. Ministra cursos e workshops sobre o tema.

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