Os impactos do racismo no Brasil em R$

O que os números nos dizem sobre o acesso ao dinheiro em nossa sociedade e o que você pode fazer para ajudar a reduzir a desigualdade racial.

O racismo no Brasil em R$
27 de janeiro de 2021 3 min. leitura

A história de Madalena Gordiano, que foi empregada doméstica de uma família em Minas Gerais por 38 anos, sem salário nem folgas ou férias, chocou o Brasil quando foi revelada pela imprensa no final de 2020 e início de 2021. Ela se tornou praticamente refém dos patrões aos 8 anos de idade, quando foi obrigada a abandonar a escola e a trabalhar na casa sete dias por semana.

Parece inacreditável que em pleno século XXI a escravidão ainda esteja presente em nosso país. Mais inacreditável ainda é a maneira dissimulada com que o racismo permeia nossa sociedade, criando barreiras que dificultam o acesso de pessoas negras e pardas, em igualdade de condições, ao mercado de trabalho, à educação e à ascensão econômica e social.

As estatísticas de cor e raça acompanhadas pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística dão conta de que os pretos e pardos têm salários menores, sofrem mais com o desemprego e são minoria no ensino superior. Mostram, ainda, outros indicadores socioeconômicos bem mais desvantajosos para esses brasileiros que representam mais de 56,3% da população de nosso país.

Em meio a tantas notícias de atos de violência contra negros, fica a reflexão: o que podemos fazer para combater o racismo e o atraso histórico imposto a esses cidadãos? O primeiro passo é conhecer alguns fatos que nem sempre são percebidos. Em seguida, listamos algumas atitudes para valorizar e promover o desenvolvimento integral de todos os brasileiros, sem deixar ninguém para trás.

Fato 1: desocupação é maior entre os negros

Em novembro de 2020, a PNAD Contínua, pesquisa feita pelo IBGE nos domicílios brasileiros, registrou uma taxa de desocupação de 14,6% no país, uma das maiores já observadas e que foi impulsionada pela pandemia. Essa taxa indica a percentagem de pessoas que estão desempregadas entre os trabalhadores.

Esse indicador mostra como a pandemia afetou os brasileiros de maneira diferente. Entre pretos, a taxa de desocupação foi de 19,1%, entre pardos, 16,5% e entre brancos, 11,8%. Segundo a analista do IBGE Adriana Beringuy, os dados ressaltam a continuidade de um processo que, em situações extremas, é intensificado. “A maior taxa de desocupação entre pretos e pardos pode estar ligada à questão da baixa escolaridade dessa população”, registrou na divulgação da pesquisa.

Fato 2: desigualdade de renda

Os dados do IBGE confirmam, ano a ano, a enorme desigualdade de renda no Brasil. Em 2019, a parcela de 1% da população com maior rendimento recebia, em média, R$ 28.659 mensais, enquanto a metade dos cidadãos com menor renda ganhava R$ 850 – 33,7 vezes menos.

Esse abismo é ainda maior quando a comparação é feita por raça: o rendimento médio mensal das pessoas brancas naquele ano foi 73,9% superior ao da população preta ou parda, uma diferença presente tanto no trabalho formal como no informal.

A desigualdade independe do nível de instrução. Os brancos com nível superior completo ganhavam 45% a mais do que os pretos ou pardos como o mesmo grau de escolaridade. Parte dessa distância é reflexo da ocupação de cargos gerenciais. A proporção de brancos nessas funções era de 68,6%, mais do que o dobro do índice relativo a negros ou pardos, que foi de 29,9% (dados de 2018).

Os índices de distribuição de renda resumem com clareza o quadro de desigualdade. Pretos ou pardos representam 75,2% do grupo formado pelos 10% da população com os menores rendimentos. Em 2018, entre os 10% da população com os maiores rendimentos, menos de um terço (27,7%) eram pretos ou pardos.

Fato 3: negros e pardos são os mais pobres

A desigualdade se manifesta também na forma de pobreza e de extrema pobreza. De acordo com o chamado termo de paridade de poder de compra (PPC), um padrão internacional adotado pelo Banco Mundial, é considerada pobre a população que vive com US$ 5,50 por dia. Já para a extrema pobreza o PPC é de US$ 1,90.

Tomando como base esses limites, a Síntese de Indicadores Sociais divulgada no final de 2020 pelo IBGE revela que a extrema pobreza cresceu 13,5% no Brasil, enquanto a proporção de pobres caiu 6,6% nesse mesmo período. Entre os que se declararam brancos, 3,4% eram extremamente pobres e 14,7% eram pobres.

Entre as pessoas abaixo da linha de pobreza, segundo os padrões do Banco Mundial, 70% eram de cor preta ou parda – 13,7 pontos percentuais acima do índice de participação de pretos e pardos na população total do país, que é de 56,3%. A situação é ainda mais difícil para as mulheres pretas ou pardas: elas representam 28,7% da população, mas são 39,8% dos extremamente pobres e 38,1% dos pobres.

“A população preta ou parda está mais presente na informalidade, possui menos anos de estudo e está em atividades que remuneram menos”, lembra João Hallak, coordenador da SIS. Tudo isso contribui, segundo ele, para que a renda seja menor, aumentando a pobreza e extrema pobreza nessa fatia da população.

Fato 4: moradia de pior qualidade para negros e pardos

Num quadro de vários indicadores, a moradia é outro aspecto evidente de desigualdade que desfavorece a população preta e parda. O IBGE aponta que 45,2 milhões de pessoas residiam em domicílios com inadequações como falta de banheiro, mais de três moradores em um mesmo cômodo, ausência de documento de propriedade e outras. Desse total, quase 70%, ou 31,3 milhões de pessoas, eram pretos ou pardos.

A análise das moradias a partir de critérios de saneamento básico mostra que 44,5% da população preta ou parda vivia, em 2018, sem um dos três serviços nessa área – coleta de lixo, abastecimento de água e esgotamento sanitário. Entre os brancos, esse percentual era bem menor, 27,9%.

Mais um indicador na área de habitação: em 2018, 44,8% da população preta ou parda residia em domicílios sem máquina de lavar, mais do que o dobro do percentual entre os brancos (21%).

Fato 5: escolaridade que perpetua a desigualdade

A escolaridade é apontada como um dos fatores históricos que perpetuam a desigualdade. A PNAD Contínua 2019, do IBGE, revela que 71,7% dos mais de 10 milhões de jovens de 14 a 29 anos que não completaram alguma das etapas da educação básica eram pretos ou pardos.

O abandono escolar se acentua na fase de transição entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Outro estudo do IBGE, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, revela que mais da metade dos alunos pretos ou pardos estudava em estabelecimentos localizados em área de risco de violência.

Quando se analisa o Ensino Superior, verifica-se que os pretos ou pardos passaram a ser 50,3% dos estudantes de universidades públicas em 2018. Mas, como eles formavam a maioria da população (55,8%), permaneceram sub-representados. Na população de 18 a 24 anos, o percentual de brancos que cursava ou havia concluído o ensino superior era de 36,1%, o dobro do índice de jovens pretos ou pardos (18,3%).

A taxa de analfabetismo de pretos ou pardos caiu de 9,8%, em 2016, para 9,1%, em 2018. Ainda assim, é mais de duas vezes maior que o índice entre brancos (3,9%).

O que podemos fazer no dia a dia para combater a desigualdade racial

Comprar produtos de empresas lideradas por pessoas negras. Fortalecer economicamente negócios liderados por pretos e pardos é uma maneira de ajudar a vencer as principais barreiras de acesso ao dinheiro em nossa sociedade. Assim, direcionamos o dinheiro que vamos gastar de qualquer maneira para contribuir com a resolução de um problema social.

Registrar e pagar adequadamente quem trabalha para você. Se você contrata alguém para auxiliar nos serviços de casa ou no cuidado com as crianças, siga os procedimentos legais de contratação e pague salários condizentes com o mercado. Se você tem uma diarista, por exemplo, incentive-a a se cadastrar no Portal do Empreendedor MEI e a pagar mensalmente as taxas para ter direito à aposentadoria.

Contratar funcionários e fornecedores negros. Se você tem um empreendimento de qualquer porte, adote medidas para incentivar a diversidade em sua empresa. Elas podem ir desde a realização de um programa de estágio para negros, como fez o Magazine Luiza, até o incentivo à promoção de funcionárias e funcionários negros e à contratação de fornecedores de negócios empreendidos por negros.

Ensinar o que sabemos. O acesso de crianças e jovens negros e pardos ao aprendizado de línguas, música e outras habilidades fundamentais para seu bom desenvolvimento ainda é um grande desafio em nosso país. O mesmo vale para tecnologia, finanças e matemática, entre outros temas. Por isso, se você tem esses conhecimentos, encontre uma hora por semana para compartilhá-los gratuitamente com crianças de alguma escola ou organização social do local onde você vive.

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