A melhor escola não precisa ser paga

Como os pais têm ajudado a transformar a qualidade do ensino público

3 de outubro de 2018 13 min. leitura

Como os pais têm ajudado a transformar a qualidade do ensino público

A educação pública, no Brasil, enfrenta grandes desafios. Mas muitas escolas têm superado as dificuldades e promovido transformações enormes no jeito de ensinar e aprender, ganhando notoriedade pela qualidade do ensino. Elas têm em comum um fato bastante expressivo: abriram os portões e chamaram as famílias para construírem, juntas, um modelo de ensino que faça sentido para os alunos no mundo de hoje.

Assim, em vez de correr atrás de uma escola particular, que muitas vezes pode comprometer o orçamento, os pais se colocam em movimento para melhorar a educação pública e gratuita, que é um direito garantido pela Constituição a todas as crianças e adolescentes brasileiros.

A participação dos pais é reconhecida pelos educadores como um dos principais motores da aprendizagem. “Apropriar-se e fomentar as ações da escola é uma forma de ter uma atuação cidadã, uma participação política”, defende Cisele Ortis, psicóloga especializada em educação infantil e coordenadora adjunta do Instituto Avisá Lá, que trabalha com a formação de educadores da rede pública em todo o Brasil.

Alunos como protagonistas do aprendizado

Não faltam bons exemplos de escolas que evoluíram nessa direção. Uma delas é a Amorim Lima, na Zona Oeste de São Paulo, que tem um projeto pedagógico que é uma referência para educadores em todo o Brasil. Em 2004, os pais das crianças pequenas começaram a entrar na escola para evitar que elas sofressem violência das maiores, que era algo frequente na época.

Com esta aproximação, eles foram percebendo as necessidades, propondo novas atividades para as crianças, angariando recursos financeiros para viabilizá-las e influenciando modificações no projeto pedagógico, que foi desenvolvido com base nas experiências inovadoras da Escola da Ponte, de Portugal. A presença constante dos pais faz nascer um ambiente onde os estudantes aprendem brincando, de forma colaborativa, com aulas ao ar livre e estímulo para que tenham autonomia em seu processo de aprendizagem.

Os alunos fazem os roteiros dos temas que querem estudar em cada semana, sob a mentoria de um professor que, na Amorim Lima, tem a função de mediador, quebrando a hierarquia do ensino tradicional. Em 2015, a escola entrou para o Mapa de Inovação e Criatividade na Educação Básica, do Ministério da Educação (MEC), que reconhece escolas inovadoras em temas como gestão e estratégias pedagógicas.

Derrubando muros para ensinar

Outra escola que integra o mapa do MEC é a EMEF Campos Salles, que fica dentro do Centro Educacional Unificado (CEU) Heliópolis, na Zona Sul da cidade de São Paulo, uma das maiores comunidades de baixa renda da América Latina. Em 2007, o diretor Braz Rodrigues Nogueira derrubou os muros e chamou pais e moradores para o diálogo.

A escola conseguiu abandonar o estigma da violência, muito presente nas décadas anteriores, para dar lugar ao que é hoje um centro de referência em protagonismo comunitário. Assim como a Amorim Lima, seu modelo pedagógico também foi influenciado pela Escola da Ponte e prevê a criação de roteiros multidisciplinares de estudos e o estímulo à autonomia dos jovens.

Na Região Norte do País, uma experiência inspiradora é a da Escola Municipal Professor Waldir Garcia, de Manaus (AM), que também é um exemplo de diálogo com a comunidade. As famílias podem ocupar o espaço da escola aos finais de semana, inclusive levando para lá eventos festivos e manifestações artísticas. Fundada em 1987, a escola é considerada pioneira na integração com a comunidade, o que foi fundamental para o combate à evasão escolar. Tem, ainda, forte vocação para a diversidade, por receber muitas famílias de países em crises humanitárias.

No Nordeste, merece destaque a Escola Municipal José de Moura, que fica em Maranguape, no Ceará. A partir da crença de que todo mundo tem algo a ensinar, a escola mobilizou 300 famílias da comunidade num projeto, que começou em 2011, pelo qual cada membro compartilha o que sabe com a crianças e jovens, como o agricultor que apresenta seu trabalho no cultivo de hortas.

O que essas escolas têm em comum

Estes são apenas alguns exemplos de histórias de escolas espalhadas pelo Brasil inteiro e que são contadas no site Escolas Transformadoras. Elas mostram que é preciso um forte senso de coletividade, foco e boa-vontade para “arregaçar as mangas” e promover a transformação no ensino.

Olhando para estas experiências, é possível identificar alguns pontos comuns. Os principais deles: o reconhecimento dos pais e da comunidade de que a escola pertence e é responsabilidade de todos; a importância da chamada educação integral, que enxerga a criança como um indivíduo completo e complexo; a quebra dos modelos tradicionais de ensino, muito focados no conteúdo e pouco na experiência; e o desenvolvimento de atividades diversificadas, voltadas às artes e aos esportes.

Outro ponto importante é a mobilização das comunidades para tirar as escolas de uma condição de vulnerabilidade, muitas vezes tendo que combater a violência ou a extrema pobreza. Quando conseguem se fortalecer, elas conquistam indicadores que muitas vezes parecem ser impossíveis, como menores índices de evasão escolar e de reprovação.

O que você pode fazer

Com o apoio da Cisele Ortis, listamos 7 maneiras de participar da educação das crianças e mudar a realidade do ensino em sua comunidade. Confira.

1. Acompanhe as atividades escolares

Perguntar diariamente o que aconteceu na escola, acompanhar deveres de casa, ajudar nas dificuldades e comparecer às reuniões e eventos escolares são atitudes determinantes para o desenvolvimento das crianças. A dedicação dos pais é uma das chaves mais importantes para a construção da autoestima, aproveitamento e desempenho escolar.

2. Participe de comitês, conselhos e APMs

Você pode contribuir nas ações e na gestão das escolas. Os Conselhos Escolares e as Associações de Pais e Mestres (APMs) são espaços de diálogo, previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que permitem que os pais participem dos rumos da escola, incluindo o desenvolvimento do projeto político-pedagógico.

Para integrar o Conselho Escolar, é preciso que uma pessoa seja eleita para representar os demais pais. Já as APM’s são abertas a todos e têm a função de fortalecer e fiscalizar a escola no cumprimento de suas metas. As APM’s também têm a responsabilidade de firmar parcerias, organizar eventos e acompanhar projetos e obras. Saiba mais sobre os Conselhos Escolares e APM’s.

É importante que os pais cheguem às suas próprias conclusões sobre qualidade e participação, fazendo sua própria lista de critérios: por exemplo, a escola tem um canal aberto para ouvir opiniões? É transparente? Como maneja seus gastos? Presta contas?

3. Seja voluntário

Você pode ser um voluntário da escola, compartilhando seu tempo e habilidades. Um primeiro passo é conversar com o diretor para conhecer as necessidades e identificar como você pode contribuir.

Se você é dentista, pode promover uma roda de conversa com as crianças sobre higiene bucal. Se a escola está precisando de uma pintura, pode se prontificar a colocar a mão na massa. Pais e mães que são biólogos, matemáticos ou historiadores podem oferecer aulas de reforço aos finais de semana. Iniciativas como estas trazem benefícios concretos para a escola e mostram às crianças o cuidado da comunidade com seu aprendizado.

4. Coloque as artes e os esportes no roteiro

As crianças aprendem 24 horas por dia, dentro e fora da escola. Quando entram em contato com o mundo das artes, por exemplo, elas desenvolvem a sensibilidade, a criatividade e o senso crítico, além de criar repertório. Por isso é tão importante levá-las a museus, teatros, cinema, shows e exposições. Com uma simples pesquisa na internet, você pode descobrir ações culturais promovidas na sua redondeza. O Guia da Semana é um canal que cobre várias cidades do País, onde você encontra atividades gratuitas ou com valores simbólicos.

Já a prática esportiva promove a saúde física e psicológica das crianças, além da concentração e do senso de grupo. Você pode não só apoiar as atividades promovidas pela escola como, por iniciativa própria, organizar grupos para ocupar espaços públicos, como praças, parques e até a própria escola aos finais de semana. Mobilize os pais esportistas para criar ações divertidas. Lembrando que, tanto para cultura quanto para os esportes, você pode contar com as unidades do Sesc espalhadas no Brasil inteiro.

5. Estimule a leitura

Não existe melhor caminho para compreender o mundo do que a leitura. Quando gostam de ler e se divertem com as histórias, as crianças desenvolvem a oralidade, enriquecem o vocabulário e conseguem, com mais facilidade, encontrar soluções para os próprios problemas, capacidade que seguirá com elas pela vida adulta.

Portanto, crie este hábito dentro de casa. Leia para as crianças e peça para que leiam para você. Estimule-as a emprestar livros na biblioteca da escola e leve-as para passear em bibliotecas públicas. Acesse este mapa para conhecer as mais próximas de sua casa.

6. Considere as opiniões do seu filho

Tão importante quanto promover o acesso a experiências interessantes, é estabelecer uma relação de proximidade e parceria com seu filho. Para isso, você precisa estar disposto a ouvi-lo e a considerar o que ele tem a dizer. Valorizar os pontos de vista das crianças e jovens, de forma respeitosa e com argumentações, estimula o pensamento crítico e desenvolve nelas a capacidade de se posicionar sempre que precisarem.

7. Estimule a integração e o convívio

Quando são incentivadas a se relacionar, meninos e meninas sentem que fazem parte do mundo, são mais felizes e confiantes porque sabem que não estão sozinhas, mesmo fora do núcleo familiar. Por isso é importante que você promova reuniões em casa com os amigos, organize piqueniques no parque e esteja presente em festas para as quais forem convidados. É no convívio que eles desenvolvem noções de ética, diversidade e respeito, além de sua capacidade de comunicação.  

Cisele também lembra que, quando matriculam os pequenos na escola pública, as famílias em geral têm mais fôlego financeiro para proporcionar experiências com cursos extras, como inglês, esportes, balé ou qualquer outra atividade, o que só agrega na formação das crianças.

ESSE ARTIGO FOI ÚTIL?